Saturday, May 23, 2009

Do futuro.

nos vemos depois de muito tempo
a gente se pergunta
com vozes meio distantes
tentando lembrar do que tivemos em comum
então lembramos que um dia
dissemos euteamos

então nossos olhos se encontram
sem as fagulhas que soltavam anos atrás
quando cuspíamos promessas e juras
um ao outro
como rios jorrando litros d'água doce no mar.

você está tão igual, tão diferente,
e eu nunca senti mudanças em mim,
sempre sou o que sempre fui,
mas talvez você pense exatamente assim
sobre você e me veja completamente mudado a teus olhos.

talvez eu tenha ganhado alguns quilos
alguma barriga,
ou perdido alguns, talvez
(quem dera!)
e você será eternamente esbelta?
ou terá desenvolvido aquela barriguinha que eu mordia pra te provocar?
não vai importar tanto assim, no final,
não é mesmo?

conversaremos sobre o tempo,
sobre o dólar,
sobre o preço do feijão
(mas serão apenas especulações já que sabemos que não sabemos de nada daquilo,
estamos apenas tentando evitar a área em que iremos cair logo logo
porque é ruim o silêncio que precede cada história
e os sorrisos às vezes não são tão sinceros quanto deviam
e isso machuca mais do que pode parecer)
sobre sonhos antigos de viagens,
livros lidos e shows vistos,
sobre a profissão que seguimos.

faltará assunto para se tratar,
porque falamos de tudo tão sintetizado,
tão fria e diretamente,
que não se passaram cinco minutos desde o momento em que resolvemos sentar
numa mesa de um bar
ou café e pedir qualquer coisa para beber
(você continua com seus chás ruins e eu com meu café delicioso)
e o silêncio chegar.

nossas bebidas estão na mesa, quentes como os dias de outrora,
e você segura teu caneco perto da tua boca, sopra dentro dele e toma um gole
depois franze a testa, erguendo as sobrancelhas,
como fazia quando ficava me olhando só por olhar.

eu tomo meu café
sem me preocupar muito com o fato de sermos eu e você sentados lá
porque pior que da última vez que isso aconteceu não poderia ser.

"então..." você me pergunta com tua voz doce que sempre me irritou um pouco
porque talvez me lembrasse de coisas que eu queria tanto esquecer
(é que o excesso de tudo sempre faz mal nessa vida,
acho que sempre tive uma pessoa doce demais nela
e tentava contrabalancear isso com um pouco de amargura, com rancores)
e o resto da pergunta não é formulada
porque ambos sabemos onde todo o caminho vai dar.

"então..." eu respondo com um sorriso sínico, digno de minha pessoa
daquele que desde cedo aprendi a cultivar
para os momentos tão oportunos como esses.

e não sabemos direito como passar do então
até que um chamado no telefone nos afasta daquela pré conversa constrangedora
e eu atendo, falando baixo,
porque não é do assunto de ninguém além de mim e dele,
e é um paciente qualquer
(porque eu não ligo muito para o paciente agora,
já que na minha frente está você, veja bem)
que eu tento acalmar e orientar
e acho que sou bem sucedido nisso.

sorrio e peço desculpas
e você aproveita para saber se é a patroa
e eu digo que não
que a patroa está noutro lugar qualquer
vivendo a vida dela por enquanto,
assim como eu estou vivendo a minha agora,
para, mais tarde, à noite, vivermos a nossa.

ela sorri compreendendo e eu pergunto por marido, filhos,
e ela me conta a história de desde então
e eu ouço com prazer
(sei dos teus três filhos,
do teu segundo marido,
dos teus três abortos espontâneos)
e me sinto inacreditavelmente bem com tudo o que aconteceu
e fico feliz
por saber que eu não fiz parte de nada daquilo
(que foi bom, acredite, foi bom para você e admiro).

conto a minha parte, ou parte da minha parte,
edito para que pareça interessante,
não conto dos desgostos da vida,
os medos que ainda sinto
ou coisas que me tornem um completo humano.

sorrimos compreensivelmente enquanto ouvimos um ao outro
entendendo perfeitamente como a felicidade é relativa.

o telefone toca novamente,
eu devo ir e digo a você que precisamos nos encontrar novamente,
que foi muito bom te ver
(e realmente foi, há anos não nos olhávamos nos olhos)
te passo meus números novos que eu prometi quando nos separamos
(lembra que mentimos um ao outro que não nos deixaríamos ir embora assim fácil?)
pego seu velho número que já não está na minha agenda.

dizemos adeus,
até breve,
apertamos mãos, nos abraçamos,
nos beijamos até.

e, como dois seres civilizados,
nos afastamos sabendo que nunca mais nos veremos
e não se sentindo nem um pouco mal com isso.

3 comments:

Anonymous said...

Das promessas que se faz, dos amores que tem, das promessas que nunca se cumprem e da culpa que sempre vem, porque por mais que se tente convencer que é melhor assim a verdade é que a gente sempre tem uma curiosidade, mais que isso, uma vontate mesmo que enrrustida de saber como teria sido se tivemos tomado a outra mão, sabe, o outro caminho. Ou talvez não, talvez ninguém tenha só os infelizes e desassossegados.


ps: Adorei o seu texto, ficou lindo! Parabéns.
ps2: Vá desculpando as palavas tortas.

Ludmila said...

real, sincero. e o melhor/pior... frequente..

Laís said...

cara, isso me lembra um dos futuros que eu sempre pensei que viria pra mim.