Sunday, June 29, 2014

Mau humor.

meus pés doem
e quero solenemente ignorar qualquer um que chegue até mim
ou tente chegar próximo a mim
ou ao menos sonhe em pensar em tentar chegar junto de mim.

que caia sobre eles a ira de todos os deuses que já matei
e todos aqueles que hão de me matar,
que sofram e sofram e sofram e sofram.

e amanhã,
amanhã é novo dia.

Friday, June 27, 2014

Gal.

gal canta em meus ouvidos agora
e devia fazer isso sempre.

seu ou au au au au ou au
faz-me algo que não sei dizer.

vontade de tomá-la em meus braços,
deitar em seu colo,
ouvir em silêncio.

cante, cante.

Tango.

tango mil tangos em minha mente
enquanto tento tranquilo pegar no sono
tergiversando os tangos que tangaremos.
tango contigo e tenho terrores
tentando tristemente te esquecer
enquanto tuas texturas, tessituras, tecidos -
traçados tortuosos dentro de mim -
tentam-me diabolicamente para perto de você.

tenho sonhos com as danças que dançaremos
e acordo com a lembrança das noites tenebrosas perdidas,
tua mão pequena na minha, teu rosto colado ao meu,
e nossos olhos se tocando.

O seu leve ronrono.

a textura dos teus cabelos enrolando em minha mão,
se entrelaçando entre meus dedos,
tornando-se parte de mim, dominando-me em minha vã tentativa
de domá-lo.

o calor do teu olhar, a esquentar dentro de mim, meus humores
como o fogo faz com a água, só que de maneira instantânea,
imediata, fazendo com que sinta o sangue fluir mais rapidamente
e preencha locais que antes estavam vazios.

tua língua...
não posso cantar tua língua, por ser ela um pedaço de carne rosada
que me deixa sedento mesmo após me saciar,
sou incapaz de falar mais.

... não há como escrever um poema para você além desses pequenos pedaços,
não conheço outras formas,
nem estou em condições, no momento, de procurá-las,
minha mente se perde em memórias do seu rosto:
você fechando os olhos ao toque das minhas mãos
e o som baixinho do seu leve ronronar.

Thursday, June 26, 2014

Antinatural.

hoje não sinto nada bonito em mim,
fora você,
e minhas vontades e desejos são todas sujas,
quando não envolvem você.

a cama vazia, silenciosa,
é tão estranha que não consigo dormir,
e o ar sem teu cheiro
parece não conseguir me fazer respirar.

é estranho.

Tuesday, June 24, 2014

O que acontece?

O que acontece quando se fecha a porta
E os sons ecoam em todas as paredes
Cravando marcas profundas na memória
Como se fosse faca quente em manteiga?

O que acontece quando toda esperança
De que um dia vai se repetir
Aquele momento em que corpos perdem fronteiras
Vai embora se queimando como um cigarro no fim?

O que acontece quando as horas viram cinzas
E as estrelas começam a sumir no céu
Quando as coisas que um dia foram lindas
Começam a ter gosto de fel?

O que acontece quando você vai embora
Ou quando eu vou embora
E o quarto fica vazio e sem calor?

Thursday, June 19, 2014

Ressaca da maré.

de vez em quando,
quase sempre que dá,
embora quase nunca dê,
me aventuro no mundo das teorias
das ideias e das palavras,
das linguagens sobre linguagens
dos nós teóricos que a língua pode dar.

de vez em quando,
mas às vezes só raramente,
compreendo um pouco do que está escrito,
mas acho que se falarem,
vou me embananar todo e esquecer que língua
e Língua são outras ideias,
mas eu nunca esqueço quando leio
a maiúscula a definir.

de vez em quando
o nó se dá em minha mente
e sinto vontade de deixar tudo de lado,
abandonar todas as vontades de escrever,
me lançar no oco do mundo,
sumir.

mas aí me vem o desespero
só na ideia de que eu perderia as palavras,
ou pior, que elas continuariam vindo, sempre vindo,
como um rio para o mar, o mar quebrando numa praia,
sem fim, sem fim,
e a maré subindo me faria sentir a ressaca braba
a ressaca de um mundo sem escrita.

Wednesday, June 18, 2014

Idéia.

a ideia é que seja incompleta a ideia
e que no meio do caminho
alguém consiga tomá-la para si
e preenchê-la, completá-la.

Sunday, June 15, 2014

O verde.

É o verde que me assombra os sonhos
Com sua fertilidade e beleza
Com todas as possibilidades
Já não mais possíveis.

É o verde reluzente que me faz tremer de frio no calor
E ver o mundo girando e minha nuca arrepiar
E o estômago embrulhar.

É do verde resplandecente que sinto falta de ver
Ao acordar,
E isso dói.

Monday, June 09, 2014

O Russo.

uma vez escrevi à mão versos de maiakóvski,
como se, ao escrevê-los eu mesmo, os tornassem meus,
dedicando-os a você,
que seria meu comunismo, minha ideologia, meu amor.

os versos russos que te escrevi, hoje são passado,
(lixo, cinzas, quem sabe)
e não serviram para me transformar em poeta.

continuo o mesmo homem menino
sem ideia, sem rimas, sem versos.

Não fosse

o céu cinza deveria ser azul,
não fossem as nuvens. não fossem as pessoas,
tudo mais seria perfeito,
embora não houvesse nada,
só o céu azul e as flores coloridas
e a grama verde
como o teu olhar.

não fosse a morte,
tudo que haveria seria a vida
e o desespero não seria o medo da morte, mas o medo da vida.

não fosse você
não haveria poema, e seria tudo um grande silêncio.
talvez fosse, então, melhor.

Despetalar.

a sensação de inocência
e o conhecimento de que a qualquer momento pode ser maculada
destruída, destroçada, desmoralizada como jezebel,
uma madalena.

a sensação de que posso palpar tuas cores,
acalentar-te em meu colo
e te dizer, depois que tudo for destruído,
que está tudo bem,
que eu te amo.

Friday, June 06, 2014

Motivo da ressaca.

todos os dias lembro do teu nome
quando acordo, enquanto urino, enquanto escovo os dentes,
enquanto tomo banho, enquanto me enxugo,
enquanto visto a roupa, enquanto dirijo meu caminho até o trabalho,
enquanto trabalho e na hora do almoço,
quando volto para casa, enquanto estudo,
enquanto leio e quando vou dormir.

isso me perturba
e, às vezes, quase sempre,
eu quero esquecer.

Motivo da escrita.

o vazio me motiva
em tentativas vãs
a preenchê-lo.

Thursday, June 05, 2014

Blé

fecha a porta, apaga a luz e vem deitar aqui comigo,
que essa noite está chovendo
e não quero ser teu amigo.

Partes de Maria.

o teu olhar, maria,
é a mais pura tentação:
todas as vontades do mundo me tomam de uma só vez,
e eu me sinto incapaz.

o teu sorriso, maria,
largo e branco marfim,
é como teclas de um piano que quero tocar suavemente,
mas são vetadas a mim.

a tua língua, maria,
labareda rubra
faz meu sangue arder, incandescer, irradiar,
e meu corpo vira cinza.

tua palavra, maria,
é a dona de mim:
e eu vou indo, seguindo, ouvindo suas ordens,
mas é tudo em vão.

o teu corpo, maria,
é um caminho sem fim
que eu trilho, tentando me encontrar,
mas é perdição.

Tuesday, June 03, 2014

Águas turbulentas.

a quantidade de água
que passa
correndo, fluindo, jorrando,
por baixo das pontes erguidas há muito,
e que hoje significam risco a quem tenta atravessar,
é maior que a imaginação pode contar.

Monday, June 02, 2014

Estou lendo W.W.

estou lendo walt whitman
(finalmente)
e o leio como se fosse um passeio no campo,
como se fosse uma caminhada na praia,
como se fosse um mergulho no mar ou um banho de cachoeira.

estou lendo walt whitman
(por que há anos falo e penso que deveria ler sua poesia e nunca antes o fiz?)
como se suas canções fossem os sons de correnteza,
os pios dos pássaros ou os passos dos animais rasteiros,
como se fosse o som dos homens.

estou lendo walt whitman
e devo dizer que tenho gostado bastante.

Sunday, June 01, 2014

M. A.

onze dias para onze anos
e onze vidas não seriam o suficiente
para matar a saudade
que o coração sente.

Você se lembra?

me pergunto, sozinho, deitado na cama, mais um pensamento solitário que uma pergunta,
se você se lembra
e imediatamente me vêm à mente centenas de vezes
que outras pessoas perguntaram essa mesma frase
de forma mais bela e inspirada que eu,
é que as simples lembranças servem de início para a maioria das tristezas
e das belezas, dos risos e dos choros.

como daquela vez, um tempo atrás, quando perguntaram se você se lembrava de quando éramos jovens
e brilhávamos como o sol -
então os olhos se fecham e imagino se, de fato, você é capaz de enxergar como aqueles tempos eram claros,
brilhantes quando comparados ao momento em que vivemos agora
(onde estou parece o coração das trevas).

ou então quando perguntam se você se lembra da torrente de paixão,
de ouvir nossa canção,
e fechando minha garganta sinto como se um punho a apertasse,
os olhos chegam a arder ao pensar
que centenas de canções perderam seu valor
por já não descreverem o Amor
(por mais que todas elas se pareçam,
por só existir um Amor,
toda e qualquer palavra de Amor que não seja para você
não é nada mais que amor)

e então me pergunto
como já perguntaram antes de mim
(por que parece que tudo sempre já foi dito?
por que sou tão não-original? por que tudo o que faço é uma cópia da cópia de uma cópia?)
você se lembra? lembra do meu nome?

a resposta parece óbvia.
mas responda antes que eu esqueça.