Thursday, November 14, 2019

treze

o número do azar ou da sorte
A depender daquele que acredita
E que pode acreditar.

Anos e anos acreditando
Ou tentando acreditar
Que existe alguma coisa pela qual se vale a pena viver
E não sei o que tenho.

Não sei o que tenho quando olho no espelho
Ou quando acordo
Ou quando respiro.

Não sei o que tenho enquanto escuto o dia lá fora
Ou escuto o que se passa aqui dentro.

Não sei o que conquistei ao longo dos anos
Ou se conquistei
Ou se tentei.

Não sei o que virá amanhã
E nunca saberei
E a morte parece melhor que não saber,
Mas a morte é não sabida, embora sabida.

Não sei de como aconteceram todas as mudanças do amor, 
Porque é sobre amor
Sempre sobre amor,
Porque não há nada mais além do amor.

Amor é treze
Sorte ou azar.

Sunday, June 16, 2019

Distância

consigo imaginar na noite de domingo
seu corpo deitado tenso no sofá
enquanto tenta não pensar
mas falha como sempre
e se angustia por não conseguir
fazer o impossível.

consigo imaginar nessa noite quente de domingo
seu corpo levantando e caminhando rapidamente
de um lado para o outro na sala de piso frio
para o corredor de piso de madeira
e os rangidos, os rangidos, os rangidos
ecoando pela casa toda, de maneira estrondosa
porque leveza passa longe,
embora seja tão leve de carregar.

consigo imaginar na noite de domingo
em que eu suo sozinho na sala do apartamento que já foi de dois
mas que agora é só
seu corpo tão distante, que continua quente
e longe e longe e longe
e em silêncio e em paz.

Wednesday, June 12, 2019

Pax magnifica

já faz um tempo que as manhãs são mais frias
sem o calor do seu corpo ao meu lado na cama
e sua figura pequena para desenhar um pequeno volume
sob as cobertas
já bagunçadas depois de brigas sobre como elas funcionam.

já faz um tempo que os banhos vão se tornando solitários
enquanto as músicas ecoam altas no box de vidro
que se encontra manchado.
.
já faz um tempo
que o dia se tornou mais confortável
sem a sensação de que o retorno para casa
seria o símbolo de mais um retorno suado, lutado, perdido
- não há vitórias em guerras, sempre se perde.

já faz um tempo que há paz,
e isso é, no mínimo, esquisito.

Sunday, June 02, 2019

Inventário


trinta e um anos.
um pai,
uma mãe,
três tios,
quatro tias (menos uma hoje, que vale/valia como uma mãe),
dois avôs (in memoriam),
duas avós (resta uma),
um bisavô
que chegou e passou dos cem,
uma bisavó
que chegou tão perto mas não atingiu os cem.
onze anos de ensino fundamental e médio,
dois anos de desemprego e limbo estudantil,
seis anos de graduação,
um ano em um emprego nas forças armadas,
um ano em um emprego sem força, 
um título de especialista em saúde da família,
três anos de pós graduação,
incontáveis amigos
e é quase sempre prazeroso quando estou ao lado deles
quase, porque às vezes há épocas em que não há prazer em estar ao lado de ninguém
nem mesmo de mim.
seis paixões,
três relacionamentos
(quatro se contarmos o que não conta),
um casamento (falido).
vários peixes de aquário,
alguns pássaros de gaiola,
duas gatas de apartamento (estão com a dona legítima)
uma vida inteira
vivida ou não vivida.

Saturday, April 20, 2019

C

a primeira vez que vi c
foi como manuel quando viu teresa,
e as coisas eram mágicas e lindas e fantásticas.

parecia que tudo era inocência e desconhecimento.

a segunda vez que vi c
foi como poetas que não falam sobre amor romântico
mas descrevem uma rotina e um crescimento e desenvolvimento
e a vida já não era poesia,
mas prosa realista.

a última vez que vi c
foi como se em cima fosse embaixo
e o dentro fosse fora
e a realidade já não importasse
porque nada mais já importa,
afinal c parece sugar toda a existência e vontade
e razão
e deixar tudo mais vazio
e raivoso
e furioso
como se constantemente estivéssemos sendo julgados por um deus grego
ou judeu
fixado em vingança e motivado por ira e fúria e aniquilação.

c logo retornará
e esse fato é uma sombra
uma ameaça
um medo
uma raiva
mas ela não retorna para mim
mas para a raiva
o medo
a ameaça
que eu sou para ela também.

por que escolhemos a mesma coisa?

Situação

vejo-me mais uma vez diante de uma situação
na qual o vazio se torna tão grande
que paralisa,
mas o que deve ser feito,
na verdade,
é combater a sensação de impotência e desvalia
que se abate sobre mim.

vejo-me mais uma vez diante de uma situação
na qual eu não gostaria de me encontrar
porque tudo me lembra impossibilidade,
tudo é difícil e duro e pesado e denso
e penso
que não vale a pena. nada, de verdade,
na verdade,
vale a pena.

não existe uma situação em que haja verdade
e, desse modo,
o vazio brilhante
se torna ainda maior
afinal de contas,
que sentido existe
em querer preenchê-lo se nada
na verdade é verdade?

vejo-me mais uma vez diante da mesma situação
que me vi e me vejo e me verei.

o tempo muda tudo,
mas não preenche vazios.