02 de novembro 2024

 imagino:

blísteres de remédios, cartelas e mais cartelas, alguns frascos, talvez,

o desespero sem tamanho, tomando conta de tudo

e fazendo crer que não haveria qualquer outra possibilidade que não a única que se mostra diante de si

(o único e inegável caminho)

e me dói o peito saber que as palavras que poderiam ser trocadas

os carinhos que foram oferecidos

as risadas que foram compartilhadas

não pareciam, nesse momento, fazer qualquer diferença

porque não há nada além do Chamado,

porque é a única coisa que parece certa (que é A certeza, afinal).

tão cedo, tão triste,

tanto potencial. 

mudanças.

com a passagem das batidas do coração

acostumamo-nos com algo que até então parecia impensável

e não abrimos espaço para compreender

que o impensável já não é absoluto.

conforme as águas vão secando no concreto quente

e as pequenas mãos vão tocando cada vez menos o chão

e os pés aceleram seus passos

o que não fazia sentido passa a fazer e coisas novas são criadas.

o ipê antes cheio torna-se seco e sem flores,

mas num piscar de olhos floresce novamente

e céu fica colorido, e o chão fica colorido,

e os corações ficam coloridos.

dezessete

Cheio de energia e sem nenhuma vontade,

Todas as possibilidades unidas

Em um único lugar.

Pluripotente e vazio,

Como se desistisse antes mesmo de começar,

Porque a jornada até o agora é assustadora.

Dezessete vezes escrevi aqui

E em cada uma das vezes comemorei.

Hoje lembrei que não esqueci

E isso me angustiou

Porque me tornou responsável.

Dezesseis

Quando cheguei aqui,

Tudo isso era mato.

Um mato espesso, denso, 

desorganizado,

Como a vida interna de um adolescente

Que achava que a vida era amar (e não ser amado).

E aí veio o tempo

E sua propriedade única de passar por cima de tudo e todos

Sem se ater a qualquer peculiaridade,

Sem pena, 

Mudou muita coisa, ou muitas coisas mudaram com ele,

Mas ainda assim algumas seguiram.

É impressionante completar outro aniversário, mesmo que hoje

Com muito menos queixas a fazer

Com um amor mais calmo

Organizado

Com um mato menos denso,

Talvez até mesmo um gramado

E alguns frutos.

Isso aqui.

 há anos que não se criam versos

em minha cabeça

e até parece que tudo secou,

mas na verdade, ainda jorra,

mas diferente.

agora o que antes era grito e desespero tornou-se

um tipo diferente de clamor

agora o que ecoa pelas paredes não é só o horror

de viver.

há um tipo diferente de verso

que não flui como as lágrimas choradas por anos,

embora ainda haja tudo isso,

embora ainda não seja pura alegria.

existe a sabedoria de que isso é impossibilidade.

agora há um tipo de verso diferente

que diz

"sou diferente, mas ainda assim, parecido"

(mas não igual).

talvez eu esteja cansado de colocar

uma linha abaixo da outra,

uma letra atrás da outra.

mas não duvide de que ainda existe um pouco de poesia

ou do que quer que seja isso

que me leva a escrever.

comportas fechadas

Eu ainda sonho que transbordo poesia

E que acumulo dentro de mim, 

Como numa barragem cheia d'água,

Os versos mais bonitos que um dia eu poderia pensar.

três do seis

Eu fecho os olhos e consigo enxergar

E ouvir os sons do momento em que você se foi

E alguns diriam que o que aconteceu

Foram os portões do céu se abrindo

E Azrael descendo para logo mais subir.

Mas eu não diria isso, e você sabe.

Mas quando estou sozinho, em silêncio, pensando,

Lembrando daquele dia,

Eu queria por um segundo acreditar no que dizem

E pensar que o que aconteceu foi muito maior do que foi,

Porque para mim foi Tudo.

Eu fecho os olhos e consigo enxergar

E ouvir o som,

E como dói.

saudade.

Quando tudo começou havia uma ideia

De que um dia seria possível descrever o amor.

Todo amor se parece, mas ainda assim cada um deles é único.

"Canções de amor se parecem porque não existe outro amor"

Mas o tempo foi passando e o amor foi conhecendo novas formas

Novas vozes.

Mas nunca deixou de ser amor, que é um tipo de saudade.

Sentado na orla da Pajuçara

Não é um dia tão diferente de qualquer outro,

Mas a lembrança da sua voz me vem à mente e um nó

Se forma em minha garganta

E o ar

Parece não querer mais entrar.

Não é tão diferente de outros dias,

Mas quando olhei o mar

Enquanto o sol de punha

Eu pensei em como você gostava do mar e das cores que ele tinha,

Como se você visse algo diferente, 

Como muitas vezes você via.

É só outro dia na vida,

Mas desde o dia em que você deixou de estar aqui

Nenhum dia parece ser igual a qualquer outro dia

E é preciso compreender a complexidade de cada novo dia

Como o novo dia que é

E não com a ideia de que é um dia como os outros que já foram.

É mais um dia 

que dói.